Pai Laboratório
Há um dado inegável e preocupante na vida moderna: Nunca as crianças foram tão analisadas, fotografadas e vigiadas antes mesmo saírem das barrigas das suas mamães. Isso é muito bom. Previne contra doenças, violência e outras pragas. Isso também é muito mau: Com essa super vigilância estamos criando uma geração padronizada incapaz de experimentar a vida - esta eterna e misteriosa descoberta - na sua plenitude.
É fácil ver o tamanho da mudança: Compare sua infância com a do seu filho. Não quero aqui estimular aquela lenga-lenga nostálgica do tipo "na minha época o mundo era melhor". Quero apenas convidar você a avaliar o calibre da blindagem a que é submetida uma criança neste início de século 21.
Quase a totalidade das minhas brincadeiras de moleque se davam em ambientes públicos. O meu preferido, o pique de latinha, acontecia em plena rua com a participação de toda a criançada do bairro. Eventuais automóveis que apareciam para atrapalhar a nossa atividade se desviavam envergonhados sob as nossas vaias! OK, isso faz tempo e eu vivia em numa cidade pequena. Mas será que não podemos, ou ou devemos, estimular esse tipo de "luxo" às nossas crianças: A de voltarem a ser donas de seu próprio tempo e espaço, incluindo aí os espaços públicos?
Conheço pais que se julgam bons pais justamente pelo contrário. Se orgulham de saber exatamente onde, quando e o que estão fazendo os seus pimpolhos, nas 24 horas do dia, dentro de suas rotinas confinadas. Há um sintoma alarmante que confirma esse verdadeiro Big Brother familiar: 65% das crianças brasileiras já usam celular, sendo que, na faixa dos 9 anos, 24% possuem aparelho próprio (dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2009).
O gesto do pai que dá um celular para o filho não significa exatamente um estímulo à descoberta do mundo ou mesmo à comunicação com os amigos. Na imensa maioria dos casos, o celular, o celular na mão da criança tem a mesma função da coleira no pescoço do cachorro. É um instrumento de controle. Não creio que a maturidade emocional das crianças seja compatível com a pressão e responsabilidade da prontidão para atender a um chamado de casa a qualquer momento.
Muitas vezes essa rede protetora, tensa e permanente, abençoada pelo mantra do politicamente correto, impede o contato da criança com fatos e emoções que deveriam ser os pilares do caráter e do adulto que ela será.
O politicamente correto baixou aqui em casa de forma clara e pontual. Na leitura - não só consentida como solicitada, eu juro - do diário do meu filho Miguel, tive acesso a uma queixa inusitada. Diante da questão "Qual a coisa mais triste que te aconteceu esse ano?", ele disparou sem pestanejar: A proibição de brincar de polícia e ladrão na escola. Proibir o polícia e ladrão para não estimular a violência me parece o equivalente a tentar resolver o problema da desigualdade racial blindando os carros. Ou de combater o racismo proibindo Monteiro Lobato. Ou de diminuir a violência mudando a letra de "O cravo brigou com a rosa". Novos exemplos de politicamente correto, infelizmente não param de surgir.
Não nego: Ser pai nos tempos atuais é viver com uma palpitação extra no coração. Não creio porém que nenhuma "ameaça" justifique um investimento na blindagem da infância. É importante estar atento à segurança e saúde dos filhos. Igualmente importante é não deixar que o excesso de preocupação vire deficiência de afeto e liberdade.
Ele é jornalista e comunicador de TV. Tem três filhos: Luiza, Miguel e Clarice. É âncora do CQC , Plantão do Tas e autor do Blog do Tas
Aceita com gratidão críticas e sugestões sobre essa coluna no e-mail: crescer@marcelotas.com.br
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Fonte - Revista CRESCER
*Conteúdo exclusivo, mensalmente cedido pelo Fã Clube Tas Maniacas na WEB