O humor venceu, pelo menos por enquanto. Uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) retira o veto a piadas com políticos nas eleições, mas, para o apresentador do humorístico CQC, Marcelo Tas, ainda não é hora de "chutar o balde".
- É igual a quando você quebra o braço. Tiraram o gesso, mas você não sai dando soco com o braço que ainda está todo magrinho - justifica.
Uma decisão do ministro do STF, Carlos Ayres Britto, invalida parte da Lei 9.504/97, que proíbe "usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito". A medida foi sentida como uma ameaça pelos programas de humor nas eleições.
A liminar passou a valer quinta-feira (26), mas, para a decisão ser definitiva, ainda tem de ser referendada em plenário no STF.
Tas considera a atuação do ministro Ayres Britto "um alívio", mas acredita que a lei eleitoral criou uma "paranoia" nas emissoras de rádio e TV que não deve desaparecer tão facilmente.
- Eu participei de cobertura das Diretas Já, por exemplo. Nunca tive sobre a minha cabeça uma multa de R$ 150 mil e alguém que fala assim: "Cara, a emissora pode sair do ar se vocês fizerem esse tipo de coisa"... É claro que a gente teve essa conversa lá dentro da Rede Bandeirantes, emissora do CQC, como eu sei que nas outras emissoras aconteceu a mesma coisa. Isso gera um clima de intimidação.
Sobre o primeiro programa que vai ao ar depois da liminar, na noite desta segunda (30), Tas diz que não haverá "retaliação". Uma das principais marcas do programa - cartuns e efeitos aplicados sobre a imagem de um entrevistado - foram aposentados na cobertura de eleições.
- Os nossos cartunistas eletrônicos estavam sem poder trabalhar e, evidentemente, agora a gente vai poder ir voltando a cobrir política.
Leia a entrevista na íntegra.
Terra Magazine - Como você recebeu a notícia da liminar concedida pelo ministro que muda a aplicação da lei eleitoral para os humoristas?
Marcelo Tas - Eu recebi com alguma esperança, porque bom senso no Brasil é triste, mas a gente tem que comemorar quando surge alguém com a sensatez do ministro Ayres Britto. Eu estava me sentindo envergonhado como brasileiro com as matérias que estavam saindo pelo mundo. Então recebi com alívio e espero não ter que passar esse mico daqui a algumas décadas ou daqui a alguns anos de novo.
Essa decisão ainda vai passar pelo plenário do STF, você acha que pode ser aprovada mesmo?
Eu espero que sim, né? Porque para mim o lado bonito disso é que houve uma movimentação. Uma movimentação inclusive de seres sem nenhuma importância que são os comediantes (risos) e que resultou num respeito à Constituição. Está assegurada a liberdade de expressão, mas quando entram no jogo os políticos, principalmente os políticos que não nos representam, pessoas que tem dificuldade de explicar o seu passado, tudo é possível. Como sempre, no Brasil, tudo é possível. Eu sou um rapaz que sofro deste mal do otimismo. Eu quero crer que o ministro Ayres inspire o Supremo para sepultar de vez uma coisa que ainda existe no Brasil que é o controle da expressão.
Na decisão, o ministro Ayres Britto considerou a medida como uma censura prévia. É essa a sua opinião?
É uma censura prévia, mais que isso é um estado de paranoia e de intimidação. E aí eu posso te falar da minha experiência de estar dentro de uma emissora de televisão que é responsável e que quer seguir a lei. Ela acaba sofrendo uma intimidação de uma multa totalmente desproporcional. É só você olhar para a multa do presidente Lula e a multa dos palhaços. A multa do presidente é R$ 1 mil ou R$ 5 mil e a multa dos palhaços é R$ 150 mil. Estão dando mais importância para os palhaços que para o presidente da República.
O CQC suspendeu aqueles efeitos especiais que viraram uma marca do programa nas entrevistas. Com essa decisão, o CQC já vai ter isso de volta?
O CQC não tem nenhum interesse, diante dessa liminar, de sair chutando o balde. Nós estamos, na verdade, muito honrados e felizes de ter participado desse movimento, que foi apartidário, foi ligado a mais de uma emissora, a vários gêneros do humor. O CQC não quer fazer retaliação ou chutar o balde. Mas os nossos cartunistas eletrônicos estavam sem poder trabalhar e, evidentemente, agora a gente vai poder ir voltando a cobrir política. Principalmente sem a paranoia e a intimidação. Isso é o que eu acho mais grave. Uma emissora séria corre o risco de ser multada e sair do ar. É claro que a gente teve essa conversa lá dentro da TV Bandeirantes, emissora do CQC como eu sei que nas outras emissoras aconteceu a mesma coisa. Isso gera um clima de intimidação que não combina com o século XXI.
Isso ainda é uma coisa a ser discutida, então? A paranoia acabou?
É. A paranoia vai começar a se dispersar, eu diria. Não é que acabou. Uma intimidação é algo muito crônico. Quem já sofreu censura, quem já viveu sob a ditadura, sabe disso. Você demora um tempo para cicatrizar aquele jeito estúpido a que você estava limitado. É igual a quando você quebra o braço. Você fica com o braço enfaixado. O que aconteceu agora é que tiraram o gesso, mas você não sai dando soco com o braço que ainda está todo magrinho. É um grande alívio, acho que a gente tem que comemorar, sim. Uma coisa muito importante é que a sociedade perceba que precisa reivindicar. Quando você reivindica, você corre o risco até de ser ouvido.
Você falou de viver sob a ditadura. A sua experiência de agora foi parecida?
Foi pior! Porque eu tenho já uma certa idade, eu participei de cobertura das Diretas Já, por exemplo. Nunca tive sobre a minha cabeça uma multa de R$ 150 mil e alguém que fala assim: "cara, a emissora pode sair do ar se vocês fizerem esse tipo de coisa". Isso eu nunca vivi quando eu cobri, sei lá, as primeiras eleições. Aquela eleição do Fernando Henrique Cardoso aqui em São Paulo com o Jânio Quadros, que foi uma que eu participei na Record. Ao vivo, inclusive. Entrevistei o Fernando Henrique no café da manhã ao vivo, ele e dona Ruth. Não havia esse tipo de intimidação. É triste dizer isso, mas quem estava no governo era o Figueiredo, eram esses caras. Dessa vez, aparece essa regra que eu tenho absoluta certeza que é do interesse de algumas pessoas que estão no poder como o Sr. Sarney. Esse pessoal que é coronel. Para eles, é interessante manter esse pessoal sob controle, como eles fazem nos seus Estados de origem.
Para encerrar, uma mudança de assunto. O candidato a reeleição, deputado João Dado (PDT -SP) diz no horário eleitoral que foi "aprovado duas vezes pelo CQC". O que você achou disso?
É de um oportunismo que para mim indica aos eleitores que tiverem a intenção de votar nele que não votem. É isso que eu sugiro. Porque de nossa parte a gente não aprovou ninguém. Ele está se referindo ao nosso quadro Controle de Qualidade - no quadro, os deputados respondem sobre perguntas de atualidades, Dado acertou as duas perguntas feitas a ele. Se ele se acha aprovado porque ele trabalhou corretamente, ele não fez mais que a obrigação. Pelo oportunismo, eu sugiro que os eleitores não votem nele. Eu não gosto de oportunismo.