Quando está à frente da bancada do CQC, Marcelo Tas se comporta com uma inquietação quase adolescente. Rabisca papéis o tempo inteiro, brinca com os outros apresentadores e, às vezes, chega a atropelá-los para tomar a palavra. Fora dos estúdios, o jornalista de 50 anos conserva o mesmo humor ácido que caracteriza os homens de preto do programa da Band. Mas fala com uma paciência e serenidade que chegam a destoar da mente inquieta que, ao longo dos últimos 27 anos, ocupou uma posição de vanguarda na tevê brasileira.
O CQC é quase uma experiência em larga escala do que você fazia como o repórter Ernesto Varela no início dos anos 80. Mas, na verdade, o programa é baseado em um formato argentino criado na década de 90. Como você encara isso?
- É uma feliz coincidência. Eu diria que o formato argentino expande o DNA do Varela. O CQC tem uma edição muito mais cuidadosa, é exibido ao vivo em rede nacional e dispõe de uma equipe infinitamente maior. Sem contar que apresentar um programa ao vivo durante quase duas horas é algo inédito para mim. No início, o Varela era feito comigo e o Fernando Meirelles, que era o câmera Valdeci. Depois a proposta foi se ampliando com o resto da equipe da produtora Olhar Eletrônico. Mas não instruo os meninos a seguirem meu exemplo com o Varela. Existe um espaço que cada um cobre do seu jeito.
O povo brasileiro costuma ser caracterizado pelo bom humor. Foi necessário recorrer a um formato estrangeiro para trazer essa irreverência ao jornalismo?
- Isso é bastante significativo. O fato de uma emissora comprar formatos é uma maneira de usar algo que deu certo em outro lugar. Mas não é um processo automático. Já tentaram levar o programa para alguns países e não funcionou. Não é como uma franquia de um McDonald"s, que é igual em todo lugar. Você está lidando com o imponderável. O poder reage diferente em cada lugar e não tem receita para criar um humor com a nossa cara. Aí que entra o nosso mérito. Eu acredito na ousadia há muito tempo e venho fazendo isso nos meus trabalhos. Fico feliz com o sucesso do "CQC" no Brasil porque serve como um sinal de que o público aprecia um outro tipo de fazer jornalismo, mais voltado para o humor.
Na época da ditadura, você tinha de lidar com a censura nas matérias de política. Ficou mais fácil agora?
- Vou dizer algo muito grave. Na ditadura, eu tinha mais liberdade do que a gente tem hoje no CQC de gravar no Congresso Nacional. É uma vergonha para a democracia brasileira. No Congresso existe atualmente a Polícia do Senado, que agride pessoas e impede o acesso às autoridades. Os políticos, alguns até que lutaram pela democracia, vivem blindados. O Genuíno é um exemplo clássico. Um cara que eu entrevistei muito como o Varela e que não fala com o CQC porque é um programa de humor. E o Varela não era de humor? Ele exerce a censura ou a omissão tanto quanto o General Figueiredo, que também não falava com ninguém, mas não era hipócrita de dizer que era democrático.
Até que ponto a irreverência não atrapalha a credibilidade do programa?
- Aqui no Brasil é engraçado porque se coloca o humor como uma espécie de defeito de caráter. É um preconceito absurdo. A gente não está habituado a falar abertamente sobre as coisas. Quando você usa o humor, perde o controle daquele discurso quadrado. Essa é a grande virtude de misturar jornalismo e humor. Se você pega exemplos de democracia como Inglaterra e Estados Unidos, as autoridades se expõem. Até a rainha da Inglaterra permite ser criticada, caricaturada. O Obama fala com as pessoas que fazem ironia com relação ao poder. Eles conseguem se comunicar muito bem com isso, coisa que poucos políticos nossos sabem fazer.
Mas ao longo desse tempo questionando autoridades você deve ter esbarrado na censura dentro dos próprios meio de comunicação...
- Uma coisa que aprendi é que todo projeto tem um limite e eles devem ser conhecidos e conversados antes de mais nada. Uma das chaves do CQC é que isso foi muito bem tratado com a Band. Aliás, isso é um aspecto muito pouco creditado. Se nós não tivéssemos o apoio editorial da emissora, não existiria o programa. Não consigo imaginar o CQC em outro canal. O programa fala de problemas gravíssimos, colocando em xeque várias instituições. Isso movimenta um nível de poder bastante importante. Lá a gente tem agilidade para resolver esse tipo de pepino.
Você já declarou que a tevê atualmente pode ser assistida sem som e disse ser adepto dessa prática. Como fica o CQC nessa história?
- Isso vale para o CQC também. Acho que hoje a gente recebe tanta informação que tem de usar filtros. Um deles é esse. Não quero dizer para as pessoas pararem de ver tevê. Mas não acredito que ficar vendo qualquer coisa a qualquer hora faça bem para a saúde. Prefiro que a pessoa tenha um filtro com relação ao "CQC", que possa criticar e eventualmente até tirar o som, do que ficar assistindo ao programa como se estivesse diante de um abajur. Não quero que veja qualquer assunto ou quadro como se fosse tudo a mesma coisa.
Além da experiência com o público adulto e adolescente, você fez sucesso com programas infantis, como Rá-Tim-Bum e Castelo Rá-Tim-Bum, que é exibido até hoje. A que você credita todo esse tempo no ar?
- Aposta na qualidade. O Rá-Tim-Bum foi um programa que botou a barrinha da escala de qualidade lá no alto. Foi muito difícil. A gente tinha muitos objetivos pedagógicos. Uma pressão grande porque os modelos eram muito arcaicos, como o programa da Xuxa, com aquela baboseira daquelas loirinhas todas, uma imitando a outra. Aí a gente resolveu criar um programa totalmente inusitado, que apostava em conteúdo e era ousado. O prêmio é esse: a memória fica até hoje. As crianças que estão nascendo vêem reprise e gostam. Imagina a reação das crianças que assistem a uma reprise da Xuxa em 1990?
Mas o programa chegou a gerar um certo estranhamento na época...
- Muito! O professor Tibúrcio por pouco não foi "limado" do programa. As críticas eram de que ele poderia deturpar a imagem do professor. Que ele era muito agressivo e poderia causar medo nas crianças, o que de fato aconteceu. Ele foi um dos últimos personagens aprovados no projeto. Até porque eu esqueci de criar um quadro em que eu participasse como ator. Até que o Fernando (Meirelles) chegou e me falou que eu acabaria ficando de fora se não criasse alguma coisa logo. Foi aí que o professor nasceu, aos 45 do segundo tempo.
Você gosta de investir em projetos ousados. Na época em que trabalhou na Globo, havia liberdade nesse sentido?
- Já entrei e saí três vezes da Globo e a maioria dos programas que fiz lá foram muito bem sucedidos porque os limites foram entendidos antes de botar em prática. Com exceção do Fora do Ar, que é um programa que profeticamente nunca foi ao ar e que já era uma espécie de CQC. Participei do Video Show nos anos 80, da criação do Casseta & Planeta, do Programa Legal e do Fora do Ar nos anos 90. Hoje fico muito orgulhoso de ter participado do projeto do Fora do Ar, mas confesso que na época fiquei frustrado pelo programa não ser exibido. Fizemos um piloto e decidiu-se que não iria continuar. Peguei meu bonezinho e fui embora. Percebi que não haveria espaço para esse tipo de experiência na Globo, e eu estava lá para fazer isso.
Você tem sido inovador na tevê desde a época do Varela. O que o CQC representa nesse histórico?
- Acredito que seja uma agulhada na acomodação. Tanto no humor quanto no jornalismo da tevê brasileira. Ele despertou em alguns colegas jornalistas, por exemplo, a vontade de fazer algumas matérias mais atrevidas, de arriscar nos formatos. Ouço isso até de profissionais de outras emissoras. E nos humoristas a mesma coisa. Tenho a alegria de receber o retorno de pessoas que admiro demais. Acredito que a gente dá uma contribuição que não é a revolução final da tevê brasileira, mas que, sem dúvida, é importante.
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