quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Marcelo Tas, âncora do CQC, considera ''sofrível'' a educação brasileira

Por Isabel Vilela

Ele ficou conhecido como o ingênuo repórter Ernesto Varela, em programas exibidos no SBT e na Globo, ainda na década de 80, quando acabava de terminar a faculdade de engenharia. Depois, conquistou a criançada com o professor Tibúrcio, do Rá Tim Bum, e o Telekid — do famoso "porque sim não é resposta" —, na continuação do programa, o Castelo Rá Tim Bum. Na década de 90, participou da criação do Telecurso 2000, programa educativo exibido pela TV Globo. Com essa trajetória, Marcelo Tas, que é também uma das grandes personalidades do humor e do jornalismo no Brasil, acabou ligando seu nome à educação e, hoje, além de comandar o programa CQC, na Band, e colecionar seguidores no Twitter, é referência para instituições de ensino que querem utilizar a comunicação de forma inovadora.

Em passagem por Brasília para uma palestra para professores, estudantes e dirigentes de faculdades, na Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Marcelo Tas conversou com o Eu,estudante. Na entrevista exclusiva, Tas fala sobre a qualidade da educação no país, a dificuldade que professores e escolas enfrentam para acompanhar as atuais mudanças na forma de comunicação, a falta de engajamento político dos jovens e o diploma para jornalistas.


Sua vida profissional, de uma forma ou de outra, sempre esteve relacionada à educação. Como começou o direcionamento da sua carreira para essa área?

Na minha vida pessoal, começou no meu nascimento mesmo, porque meu pai e minha mãe são professores. Educadores mesmo, de escola pública, inclusive, no interior do Brasil, lá em Ituverava, interior de São Paulo. Então, dentro de casa, eu já tive uma ligação muito grande com a educação. Mas, profissionalmente, eu creio que a minha entrada se deu mais forte mesmo, de maneira mais prática, no Rá Tim Bum, quando fui convidado a ajudar a criar o projeto do programa, em 1989. Eu convivia com consultores pedagógicos, professores, educadores, que controlavam e nos davam um embasamento para criar os programas de televisão. E isso foi um aprendizado muito importante, cheio de conflitos e de histórias, que veio depois, ao longo da minha vida inteira. Eu quase me especializei na convivência com consultores pedagógicos; hoje eu vivo cercado de professores, dou muitas palestras, sou consultor de algumas instituições de educação e de algumas empresas. A minha vida mais pública é muito relacionada a humor, jornalismo, televisão. E a minha vida profissional, já há uns 20 anos, é muito ligada à educação.

Além da criação do Rá Tim Bum, você também participou do Castelo Rá Tim Bum e do Telecurso 2000, projeto que está no ar há cerca de 15 anos. Porque você acha que essas aulas na televisão fizeram tanto sucesso?

É só olhar para o Brasil. As dimensões do Brasil pedem um sistema de educação a distância e por isso ele é hoje um dos países que mais desenvolveram essa modalidade de ensino. Pelo tamanho e também pela diferença econômica entre as regiões. Os Estados Unidos não têm uma educação a distância assim tão desenvolvida porque existe um equilíbrio nas regiões. Além do Brasil, o México e a Austrália, países onde há um desequilíbrio entre as regiões, contam com essa modalidade de ensino desenvolvido. Aí, uma série de instituições e empresas foram desenvolvendo essas ferramentas. A Globo desenvolveu o Telecurso há muito tempo, nas décadas de 70, 80. Eles me convidaram em 95 pra reformular o programa para essa nova era, para essa comunicação mais direta, mais misturada, que a televisão já estava vivendo na década de 90. E aí, a gente trouxe muito de uma linguagem cinematográfica, linguagem de animação, de games. Fomos pioneiros em muitas coisas.

Essa é uma experiência bem-sucedida de diálogo entre as mídias com a educação. E a escola formal? Caminha no sentido de encontrar esse canal de diálogo com as novas tecnologias?

Não. Nem a escola, nem as empresas, nem os jornais, nem as revistas, ninguém está preparado. E é bom a gente falar isso porque o primeiro passo pra gente começar a andar é reconhecer o nosso estágio. E ninguém precisa ficar envergonhado de estar defasado. Pelo contrário, eu costumo dizer que uma pessoa que se sente defasada está muito bem informada sobre o que está acontecendo. Tem gente que não se sente, e esse é o pior caso, porque na hora que perceber, já pode ser muito tarde. As escolas, como todas as outras instituições, estão correndo atrás de uma transformação muito gigantesca. Porque não é mais uma mudança de método, uma mudança de velocidade, não é isso. É uma mudança de estado, igual quando a água muda para vapor ou para gelo; é um outro estado que a gente vive hoje, onde a comunicação ocorre em todas as direções.

E qual é a grande diferença?

Quando eu fui educado, a comunicação era em uma direção, era do professor para mim. Eu ficava lá, sentado, na aula de história, e meu professor despejava o conteúdo na lousa. Eu dava um "cut paste" na lousa, naquela época é que eu fazia o "cut paste", eu ficava copiando o que o professor de história escrevia no quadro. Tem gente que acha que hoje é que é a era do "cut paste", mas esse é outro equívoco da escola. Hoje, é muito mais fácil fazer o "cut paste" sim, claro, mas por isso mesmo, talvez seja a hora de as escolas desempenharem a função primordial, que é ajudar o aluno a se locomover no meio dessa gigantesca massa de informação, para produzir conhecimento, sabedoria, alegria, entendimento. É essa a tarefa principal do educador hoje. E não só do educador — eu acredito — mas também dos líderes empresariais, dos jornalistas. A gente tem que ajudar no discernimento dessa massa.

E o que falta para isso?

Um bom começo é a gente lutar contra o preconceito. O preconceito é o medo da mudança, é não querer sair da sua região de conforto. Todos nós temos que lutar contra isso, e eu estou me incluindo aí dentro. O jornalista que não quer dar o braço a torcer de que o leitor de hoje pode saber mais do que ele ou pode saber antes dele, por exemplo. No caso do aluno é a mesma coisa. O aluno tem muito acesso a informação antes de chegar na sala de aula. Então, é importante que o professor tenha humildade pra ouvir esse aluno, trabalhar junto, aprender com ele. Ás vezes, é muito difícil pra um professor querer aprender. São tarefas muito árduas mesmo, mas ao mesmo tempo é uma oportunidade maravilhosa para mudar o jeito de fazer as coisas.

No CQC, por exemplo, a gente muda muito o programa por causa de crítica que a gente recebe do espectador. No início, percebemos rapidamente que tinha muita criança assistindo o programa e a gente falava muito palavrão e começamos a mudar esse comportamento, porque a gente soube ouvir a rede. E eu acredito que isso nos ajudou bastante.

Por falar nisso, como é fazer humor para um público tão diversificado, que inclui até crianças?

O público mais difícil que tem são as crianças. Se você consegue falar com elas, consegue falar com todo mundo. Porque os adultos são muito bobinhos, não é muito difícil você agradar um adulto, mas quando você percebe que tem criança no meio, a comunicação tem que ser clara, inteligente, porque senão elas não ficam. Criança não aguenta ninguém enrolando, ela muda de canal. Por isso, tem que respeitar a inteligência dela. Basicamente é isso. Agora, é uma baita de uma responsabilidade, porque o programa é de humor mesmo, às vezes um humor muito anárquico, e a gente corre muito o risco sempre, mas essa a nossa missão.

Você disse em seu blog que seu próximo passo é escrever um livro para esse público. Como anda esse projeto? E como é voltar a apresentar um programa para crianças, com o Plantão do Tas?

O projeto do livro é um bebê ainda, nem foi fecundado. Tá bem no comecinho, estou começando a fazer os primeiros desenhos. E eu já escrevi muito pra criança, em televisão. No Rá Tim Bum e no Castelo eu escrevia os textos. Já no Plantão do Tas, eu fiz uma consultoria de criação, quem coordenou os roteiros foi o Alex Baldin, que é o roteirista do CQC e um antigo parceiro meu. Já gravamos todos os episódios e agora o pessoal quer fazer uma série nova. A resposta do público tem sido muito legal, muito mesmo, tanto das crianças quanto dos pais.

Voltando a falar da educação brasileira. Como você avalia a qualidade do ensino no país?

Sofrível, triste. E eu não estou falando do governo atual, estou falando dos últimos 20 anos. O Brasil até hoje não levou a educação a sério. Tem uma ou outra ação que a gente pode aplaudir, mas nada como um planejamento estratégico, que atinja uma sociedade tão grande como a brasileira. Por isso que a educação no Brasil ainda é muito ruim. Ninguém pensou a educação de uma forma estratégica, no sentido de isso ser bom para a economia, para a saúde, a estabilidade emocional, financeira, para a felicidade, para tudo.

O Brasil ainda é medíocre na produção de conhecimento, de bens de criação, até de programas de TV, filmes, documentários, de qualquer coisa que exija o cérebro. Nós somos muito, muito, muito medíocres, infelizmente. É uma coisa que a gente tem que reconhecer.

As universidades brasileiras, por exemplo, têm muito o narizinho empinado, mas se articulam muito pouco, investem às vezes de uma maneira atabalhoada os recursos, desperdiçam muita grana. Infelizmente a situação no Brasil ainda é essa. Têm exceções, claro, mas qualquer ação que a gente comece agora vai resultar daqui a 50 anos, mas ninguém tem paciência para daqui a 50 anos.

Em ano eleitoral, você acha que os jovens estão preparados para escolher seus representantes e tentar mudar esse quadro?

Eu percebo uma desatenção, um descontentamento do jovem, que é proporcional à picaretagem dos governantes, dos políticos. Ou seja, a gente não pode recriminar o jovem por não estar ligado em política. Eu acho até muito saudável essa geração não ficar com atenção na política, porque essa política não merece atenção. Nós estamos diante de tempos bastante diferentes, porque, antigamente, você ser engajado politicamente era uma grande virtude. E daí? Os engajados politicamente são esses caras que se meteram em todos estes últimos escândalos, que, aliás, até hoje não foram reconhecidos, foram pegos com a mão na grana e até hoje estão aí posando para as câmeras, muito ofendidos, inclusive, botando a culpa na imprensa.

Ou seja, é uma vergonha. A esquerda brasileira é uma vergonha. E a direita também. Quer dizer, o Brasil, independentemente de quem está no poder, graças a Deus. E eu torço pra que agora a gente chegue em uma época que a política tenha o seu devido tamanho, que ela não ocupe tanto o noticiário. Eu acho um absurdo a quantidade de espaço que a política ocupa no noticiário no Brasil. Primeiro, porque não vejo interesse do povo de ficar debatendo tanto política e, depois, porque é um debate de péssima qualidade. Se tivesse menos espaço com mais qualidade, talvez o jovem se interessasse mais.

Para terminar, o que você pensa sobre a exigência do diploma de jornalista?

A questão do diploma para mim é muito simples. O jornalista tem que ter diploma, mas não de jornalista. Eu acho que é muito limitado você pensar que o jornalista é obrigado a ter diploma de jornalista. Para mim, jornalismo não é uma profissão específica porque ela lida com uma gama de assuntos muito extensa. Então, antes de tudo, o jornalista tem que estar preparado para contar assuntos e tem que ser um bom comunicador, tem que escrever bem, tem que falar bem. Você pode ter um médico que se descubra um comunicador e queira pegar essa missão pra ele. Ele vai ter que desenvolver as suas habilidades, até fazendo um curso de jornalismo ou outros cursos, e pode virar um grande jornalista, como o Drauzio Varella, que pra mim é um grande jornalista.
07/05/2010 - Correio Braziliense

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