terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Coluna Crescer - Fevereiro 2011

"Pai Laboratório"
 Surfar o envelhecer
Começamos a envelhecer desde o primeiro instante de vida. Mas, só vamos levar este assunto realmente à sério muito tempo depois. Talvez ali pelos 40 anos, diante do primeiro resultado preocupante do exame de colesterol. Outros só acordam para o giro do relógio já no final do segundo tempo do jogo, ao fraturar um fêmur numa queda boba dentro de casa. Na verdade, pensando bem, são poucos os que têm peito de encarar esse fato tão natural quanto inevitável de frente: Estamos todos ficando mais velhos a cada segundo.
Um dos maiores especialistas mundiais em envelhecimento é brasileiro: Alexandre Kalache, médico carioca que vive na ponte aérea Londres/Nova York. Ele estuda o assunto há mais de 30 anos, 12 dos quais à frente dos programas de envelhecimeto da Organização Mundial da Saúde. Recentemente, em torno de um cafezinho, ele me conta a seguinte história. Depois de décadas longe do Brasil, conseguiu comprar um apartamento no mesmo prédio onde nascera, em Copacabana.
"E qual foi a principal mudança que o senhor notou na visinhança?", perguntei. Antes de respoder, Kalache informa que, quando nasceu, em 1945, a esperança de vida do Brasileiro era de 43 anos. Hoje saltou para 73 anos, 30 a mais! E mais: Se hoje há 18 milhões de idosos no Brasil, no ano 2025 haverá 32 milhões: Uma aceleraçãoque já é recorde mundial de envelhecimento! Opa, se estiver vivo até lá, farei parte dessa galera, pensei. E então o estudioso completa: "Aqui mesmo, em Copacabana há mais idosos, proporcionalmente do que no Japão e Suécia." E segue falando: A mudança mais emblemática de Copacabana para ele é que o prédio da maternidade onde nasceu virou um hospital geriátrico. "Quer sinal mais eloquente desse giro de 180º?", pensei. O tal hospital virou point geriátrico por um motivo singelo: Os velinhos vão até lá, mesmo sem doença alguma, simplesmente para bater papo.
Aí você me pergunta: O que velhice tem a ver com revista para pais? Tudo! Ouvindo as histórias do Alexandre (no final do papo eu já o tratava como Alex) percebi que nossa principal tarefa nesse mundo - pais e crianças, avós e netinhos - é aprender a surfar a onda do envelhecimento. Só uma coisa muda: O raio de ação, alerta Alex. Nascemos e crescemos dentro de um raio pequeno de atividades: Quarto, casa, família...Depois ele se alarga: Escola, amigos, cidade, mundo...Com o avançar da idade, o raio volta a se estreitar: Diminuem as viagens longas, voltamos para a nossa cidade, bairro, casa, quarto...
Até aquele final que todos sabemos, mas evitamos falar: A passagem escura e misteriosa para o lado de lá.
Alex acredita ser possível pegar essa onda sem naufragarmos na depressão. Pelo contrário, vivendo cada parte da trajetória da onda na plenitude, mesmo o capítulo mais derradeiro pode ter a mesma graça do começo ou dos momentos emocionantes da nossa vida. A mãe dele, conta, vive hoje, numa cadeira motorizada. Quase não sai do apartemento. Se reinventou e se sente uma princesa do império que só anda de liteira contra o Doutor com um sorriso. O caso me lembrou minha filha Clarice. Nas últimas férias, depois de gastar recursos e energia para levar todos para esquiar no Colorado (EUA), perguntei à ela, 5 anos, do que mais gostou na viagem, "Do dia que você fez macarrão para a gente jantar" disse, a danada, para minha surpresa diante da difícil e inesperada tarefa de surfar a onda do envelhecer."
Marcelo Tas

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