Morte é assunto de criança?
Nasci numa família grande e festeira, repleta de avós, primos e tios. Mesmo com tanto calor humano, um dado incomum daquela realidade atormentou minha infância: Ninguém morria na grande família! Acreditem: Cheguei mesmo a conhecer todos os meus bisavós, vivinhos da silva, evidentemente.
Lembro de gastar horas observando meus bisavós com grande curiosidade. Quanta história armazenada naquelas orelhas amarrotadas , pescoços enrugados e roupas de época! Como não tinha outra referência, imaginava que nas outras famílias também acontecia o mesmo. Depois, quando passei a frequentar as casas de outras famílias, tomei consciência da minha situação incomum. Claro, me senti abençoado e privilegiado. Mas com o tempo, um suspense desconfortável começou a me afligir. Quem seria o primeiro a quebrar o cliclo de imortalidade dos Tristão Athayde de Souza?
Da mesma forma que tinha inveja e admiração por amiguinhos que já tinham quebrado o braço, comecei a me sentir inferiorizado por nunca ter presenciado um mísero velório. É sério. Vivi esse drama interior sem malícia, culpa ou medo de alguém ler meus pensamentos. Eu era criança e podia tudo. Um belo dia, uma pequena multidão quebrou a rotina da rua. Era uma novidade extraordinária: A morte do tio Agostinho, forma carinhosa como a família tratava meu quase centenário bisavê paterno. Eu amava aquele velhinho elegante e educado, que passava a maior parte do tempo sentado na parte de frente da casa, numa poltrona de madeira confortável do alpendre, mirando a rua, geralmente deserta. Devo confessar que, logo após o impacto da notícia, uma suave alegria e alívio invadiu minha alma.
Talvez por influência do cinema, a primeira coisa que fiz foi procurar um lenço branco para exibir meu luto e seriedade. Permaneci o máximo que pude ao lado do caixão, colocado no centro da sala de estar dos meus avós.
Usava o lenço mais para disfarçar meus olhares para cada detalhe da cerimônia fúnebre que para enxugar as eventuais lágrimas. Naquele dia, vivi a emoção da chegada de algo que não entendia, talvez a vida adulta.
Depois de tio Agostinho, a fila andou. E andou rápido. Lá se foram pelo misterioso caminho da eternidade: Outros tios, amigos, os bisavós e avós queridos....
Hoje, após tantas experiências difíceis e profundas no contato com essa velha senhora, a morte, continuo reaprendendo tudo sobre o assunto com os meus filhos menores. Miguel e Clarice passaram as últimas férias sozinhos com os meus pais. Um dia recebemos telefonema com uma questão que os incomodava. Uma tia distante havia falecido e estavam em dúvida entre levar ou não os pequenos ao velório. Autorizei sem vacilar.
Soube depois que a presença das crianças na cerimônia foi uma experiência rica e reveladora, pricipalmente para os meus pais, que já enfrentaram um duro golpe do destino: A perda prematura de um filho, o meu irmão João, aos 28 anos de idade.
Miguel e Clarice acabaram se interessando pela história do tio João até ali evitada diante deles. Chegaram a convencer os avós a levá-los para conhecer o cemitério, onde meu irmão está enterrado. Levaram flores, cantaram, rezaram, beijaram a foto no túmulo... De forma direta, simples e sincera, trouxeram um novo entendimento para esse tema tão evitado quanto desconhecido por cada um de nós. Iluminaram a morte com suas vidas cheias de graças e bençãos.
MARCELO TAS
Fonte- Revista Crescer
É nóis!
ResponderExcluirE acaba que tiramos duas conclusões importantíssimas lendo essa coluna:
1 - Marcelo Tas ainda viverá muuuuuito tempo!!! Os Tristão Athayde de Souza, graças a Deus tem vida LONGA!
2 - Elegância e educação vem desde os primórdios da família...
A parceria que deu certo!!
Tão perto e tão longe!
Campo Grande e São Paulo....Unidas por um único AMOR!! Amor de fã....
#TamoJuntas na pegada do macaco loko!!!
Paulinha (=