"Pai laboratório"
Foto: Twitter @marcelotas |
É O BICHO!
Escrevo sob o olhar de duas testemunhas. Magali e Zezé são gatas que estão em casa há pelo menos dez anos. Num dia de rotina "normal", isto é, agitada, no meu estúdio de trabalho elas dificilmente aparecem. Basta eu conquistar alguma paz - desligando telefones e outras geringonças eletrônicas que interferem nas minhas ondas mentais - que as duas se aproximam.
Os quatro olinhos, que observam placidamente os movimentos dos meus dedos no teclado, parecem funcionar como um radar de confirmação de chegada de uma frente climática de tranquilidade ao ambiente. Com elegância e suavidade, as duas negociam espaço ao redor do computador.
Zezé, que chegou primeiro, refestelou-se sobre o modem de conexão à internet. O tijolo de metal cheio de luzinhas, aparentemente desconfortável segundo a minha avaliação, faz um sucesso tremendo com os gatos. Aposto, que além do calorzinho gostoso, a vibração eletrônica da geringonça, praticamente inaudível a humanos, deve soar como Mozart para os felinos. Magali alongou seu corpo numa prateleira perto da janela, de onde vigia as andorinhas, pardais e eventuais grupos de maritacas que sobrevoam a região. Além dos inevitáveis aviões de ponte aérea, claro.
As duas já cairam no sono. Vou então confessar uma coisa a vocês: Nunca tive ligação especial com bichos. Talvez justamente por ter tido, paradoxalmente, uma infância repleta deles: cavalos, cachorros, bois, bezerros, formigas, abelhas, peixes e cobras. Passei grande parte da minha primeira década de vida na zona rural. Meus avós viviam da agricultura e de retirar leite de vacas. Passar o dia inteiro cercado de animais era tão parte da minha rotina de criança que talvez por isso mesmo só mais tarde, principalmente depois de virar pai aprendi a valorizar a convivência com eles.
Trazer um bicho para dentro de casa é uma decisão difícil para os pais. Além da preocupação de cuidar do xixi e cocô extras que vão aparecer, um bicho sempre provoca interrogações. Irá seguir as regras da casa? Trará risco à saúde das crianças? E se der errado, vou devolver o bicho para quem?
Todas essas dúvidas, legítimas, diga-se, podem se dissolver na experiência de conviver com essas criaturas. Através do olhar despreocupado dos gatos, por exemplo, aprendi a enxergar a inutilidade da correria que muitas vezes caracteriza minha vida profissional. Tenho ainda em casa uma dupla de cães que são guardiões do meu preparo físico. Não permitem, através de rosnados ou mesmo mordidas nos meus calcanhares que eu fique o dia inteiro plantado trabalhando em frente do computador. E a gente é que os chama de seres irracionais, hein?
A presença dos bichos na vida dos humanos, principalmente em casas onde há crianças, é uma tendência irreversível e bem vinda. Olhe à sua volta. Vivemos uma profusão de lojas especializadas em rações nutricionais, banhos, tosas, aquários, cirurgias e até acupuntura animal...Sem contar a chegada de novos canais a cabo com vida selvagem 24 horas.
Há uma vasta literatura que descreve os benefícios do convívio com animais: menor incidência de colesterol, pressão sanguínea e estresse. Para mim, a resposta é bem mais simples. Precisamos reaprender todos os dias a hora certa de comer, descansar e trocar carinho. Os bichos me reconectam aos filhos e a uma verdade nua e crua: Somos todos animais, demasiado animais. Magali e Zezé, em sono profundo, parecem concordar que sim.
Marcelo Tas
Fonte- Revista Crescer
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